sábado, 25 de junho de 2011

Os 20 Anos da Revolução do Rock Alternativo e o Feitiço do Tempo


Á esquerda: Kurt Cobain empunhando sua guitarra com o Nirvana em 1991. À direita: Pe Lanza, do Restart, empunhando seu joystick para a revista Capricho em 2011. O que aconteceu com o rock nestes 20 anos?

Texto por Álvaro Freire Samways


Ano de 1991. A exatos 20 anos atrás com uma música despretensiosa e de vocais ininteligíveis chamada “Smells Like A Teen Spirit”, cantada por uma banda formada por sorumbáticos jovens advindos da chuvosa cidade de Seattle nos EUA ganharia o mundo, colocaria um novo jeito de se fazer rock no mapa e de quebra viraria a industria musical de pernas para o ar. Era o Nirvana, que junto com ele trazia uma série de outras talentosas bandas da mesma região (Seattle e arredores), tais como Soundgarden, Pearl Jam, Alice In Chains, Mudhoney entre outras para alavancar o até então ainda underground movimento “grunge” (um neologismo que, reza a lenda, foi criado por Mark Arm, guitarrista e vocalista do Mudhoney, usando a palavra “garage”(“garagem” obviamente), que era o local onde os jovens da cinzenta Seattle passavam a maior parte do seu tempo ouvindo e fazendo música) para outras esferas.


O grunge já merecia um capítulo especial na história do rock só por ter jogado no lixo toda uma geração de bandas posers e que faziam um som mais fraco que Nescau de padaria. Sim, me refiro ao “hard rock farofa” que por toda a década de 80 celebrou com suas músicas aguadas e pseudo agressivas a “genial” idéia de que a vida se resumia a andar em carrões, ganhar/gastar muito dinheiro e traçar o maior número de mulheres gostosas que se pudesse conseguir. Para isso acontecer bastava incluir no set list uma série de baladas mela cueca, do tipo “dor de corno”, para agradar justamente estas tais garotas que queriam ser traçadas por um bando de caras com cabeleiras escovadas, todo maquiados, que mais pareciam travecos de alguma “esquina maldita”. E tome bandas ridículas como Dokken, Poison, Warrant, Europe e outras aberrações. Pois então, o grunge jogou toda essa coisa deprimente no lixo. As sonoridades das bandas de Seattle (que eram compostas por gente que cresceu ouvindo Dead Kennedys, Black Flag, David Bowie e Blck Sabbath) vieram como uma antítese profunda a toda a descartabilidade conceitual do glam/hair metal farofento. E mais do que isso, o grunge promoveu o que pode ser considerado seu maior feito durante sua existência: colocou no mapa do maistream as bandas que até então eram consideadas “alternativas”, se encaixando elas ou não dentro da sonoridade que pode ser chamada de “grunge”.


O grunge ajudou a alavancar mais gente criativa e talentosa de diversos outros estilos sonoros de rock alternativo espalhados por ai, além do próprio grunge, para os quais a mídia músical não dava a mínima até então: bandas como Red Hot Chili Peppers, Faith No More, Primus, Rage Against The Machine, Kyuss, Smashing Pumpkins, Tool, só para citar alguns poucos e significativos exemplos, tinham sonoridades tão singulares que nem se quer tinham uma classificação idela para aquilo que faziam. Era rock alternativo e pronto! Apesar de os motivos de a mídia ter passado a prestar a atenção nestas bandas serem puramente financeiros, o saldo era o mais positivo possível pois estes artistas agora contemplados com a fama eram constituídos em sua maioria por pessoas que buscavam fazer arte (no caso música) acima de tudo. Basta dar uma ouvidela curta nos discos de cada uma das bandas que citei saidos naquela época para se ter a confirmação. Um rock competentemente ousado, diferenciado, verdadeiramente agressivo, que buscava misturas e abordava temas dos mais diversos, desde conflitos sociais, passando claro pelo sempre bom e velho amor, entrando em raias até de coisas inusitadas como estórias infantis (os discos do Primus além de rock alternativo de altíssima qualidade, garantem ao ouvinte boas doses de humor).


De 1991 até 1994 o rock saiu do poço de marasmo e mesmice da década anterior e passou por uma fase de criatividade e boas bandas e músicas quase incrível. Em uma época em que internet ainda era um sonho distante, as fitas K-7 do Nirvana conseguiam rodar por toda a parte (já que os cds ainda eram uma recente realidade, por isso ainda não absoluta). Porém em 1994, com a morte do mais emblemático cidadão daquela geração de músicos, o vocalista e guitarrista do Nirvana, Kurt Cobain, a cena alternativa perdeu aos poucos sua força. Novas bandas passaram a ter dificuldades de mostrar seu som, e as que já existiam foram aos poucos deixando de existir. O foco mudou de direção e o rock voltou a se enfraquecer, sendo superado pela música eletrônica e mais ainda, pela nova onda do Hip-Hop romântico (?????) que se iniciou na época. Restou para o rock a cena “brit-pop” como o major do momento, liderada pelo Oasis. A cena de rock alternativo ficou então a cargo do recém nascido movimento “new-metal”, que conseguiu trazer à luz para muita gente boas bandas que de comerciais em sua sonoridade não tinham nada, tais como KoRn, Slipknot, e a melhor daquela geração, o cultuado System Of a Down. Outra grande banda alternativa que surgiu foi o Queens Of The Stone Age, que como dissidente do Kyuss, tornou-se a única na grande mídia a representar o gênero chamado de “stoner rock”.


Porém, agora eu gostaria de entrar na real discussão e que dá título a este texto: os caminhos naturais os quais a industria da música parece sempre tentar seguir. Tal qual no filme estrelado por Bill Murray em 1993 chamado aqui no Brasil de “O Feitiço do Tempo”, onde o dia nasce, amadurece, mas após as 24 horas passadas, volta exatamente igual o eu havia sido no “ontem”, ao invés do que devia ser o “amanhã”, repetindo-se cada um de seus fatos, as coisas parecem ter se desenrolado, mas acabaram por voltar ao que eram antes da Revolução do Rock Alternativo do início dos anos 90. O rock de garagem parece ter voltado a ser “um estranho no ninho”, e o que voltou a ditar as regras são bandas pseudoagressivas e de mentalidade artistica beirando o nulo. Ao invés dos travecões maquiados dos anos 80, temos hoje seres igualmente vexatórios, também vestidos com roupas de gosto duvidoso e maquiados, mas desta vez usando acessórios diferentes, como as terríveis chapinhas (a pior invenção da humanidade depois da bomba atômica). Bandas ridículas como Paramore, Panic At The Disco, My Chemical Romance, CPM 22, Strike, NX Zero e Fresno foram só o começo de uma ditadura de destalento, picaretagem e dinheiro fácil sustentada por empresários, gravadoras e seus “artistas” inacreditavelmente ruins que hoje têm como representantes “artistas” do naipe de Jonas Brothers, McFly, High School Musical, Cine, Hori e a besta de todo esse Apocalipse, o “vergonha alheia” Restart. Some-se a estes um denominador comum chamado “público de adolescentes pouco resolvidos e sem um pingo de sede por cultura” e chegaremos ao produto final que temos hoje: um cenário de rock mainstream onde as bandas novas são intragáveis se você tem uma idade mental superior à 14 anos de idade. Não sou saudosista. Não fico querendo voltar ao passado, nem acho que “a música de antigamente era melhor”. Pelo contrário, existem bandas e artistas hoje maravilhosos, escondidos nos Myspaces menos acessados, nos barzinhos, nas igrejas, nos home studios e nas garagens desse nosso mundo injusto. O que penso sim é que hoje parece estar mais fácil do que em nenhuma outra época anterior de se fazer valer de música ruim como meio de sobrevivência. A música ruim já existia no passado, como eu bem disse, mas ela nunca havia sido de um nível tão baixo, e atingido tanta gente como nos dias atuais. Hoje temos lixo como música popular, e o “pop” de outrora passou a ser erudito atualmente. Caras como Prince, Michael Jackson, bandas como Beatles, Led Zeppelin, que antes eram consumidos pela parcela maioral das pessoas, hoje são artigos de luxo, para os ouvidos de poucos ouvintes que demonstram uma maior acuração cultural. A música popular esta beirando o completo ridículo!


Diante deste espiral que a industria musical parece sempre seguir, buscando quase sempre os maiores lucros e não dando lá muita importância para o real talento dos artistas (só assim se explica gente como Justin Bieber e Lady Gaga disputando os mais altos índices de popularidade em um mercado que um dia já teve a genialidade de Michael Jackson a seu serviço), resta a nós, cidadãos pensantes e dotados de um maior senso de cultura e arte, buscar nossos próprios artistas nos meios marginais de mídia, pois estes parecem ser a única coisa que ainda nos traz música de qualidade, pois esperar outra revolução como a provocada pelo grunge e pelo rock alternativo durante os anos 90, no tipo de cenário que temos hoje, é uma tarefa tão encorajadora quanto a de enxugar um iceberg com uma toalha.

terça-feira, 5 de abril de 2011

CDs (Se não conhece, deveria...) Karnivool



Karnivool

Sound Awake

(Cymatic Records)

2009

Certas coisas são realmente incompreensíveis. Uma delas é o fato de que, com um mar giganticamente abundante de bandas porcaria que inundam o cenário da música internacional/mundial e que são elevadas ao status de “cult” pela mídia, tais como Vampire Weekend, Maroon 5, Coldplay, 30 Seconds To Mars entre outras, uma banda genuinamente talentosa e original como o Karnivool seja uma indigente entre os meios musicais fora da Austrália (país de origem a banda e onde eles têm total reconhecimento de público e mídia). E não é por que a banda é nova não, pois foi formada em 1997 e já está na estrada desde 2001, ano do ótimo EP autoentitulado “Karnivool”, e principalmente por que o penúltimo álbum chamado Themata é maravilhoso, contendo canções épicas do calibre de “C.O.T.E.”, “Themata”, “Roquefort” e “Mauseum”, álbum este que era só uma prévia do que havia de vir no mais recente trabalho do grupo, o poderoso e incrível “Sound Awake” de 2009.


Em Sound Awake podemos perceber que Ian Kenny (vocais), Andrew Goddard (guitarra), Mark Hosking (guitarra), John Stockman (baixo) e Steve Judd (bateria) compuseram um álbum muito mais maduro, e elaborado com um cerzimento minimalista, traçando uma colcha de retalhos sonora que alterna momentos de enorme peso com outros de pura sensibilidade, tudo isso embasado pelo talento e competência enorme de cada um dos músicos envolvidos, seja na hora de tocar seu instrumento musical, seja na hora de escrever canções. E todo este clima fica evidente na primeira faixa de Sound Awake, a bela “Simple Boy”, que além de trazer bela letra e o timbre característico do vocalista Ian Kenny, nos mostra arranjos muito além do que uma simples bandinha radiofônica costuma derramar, contando com timbragens rebuscadas em todos os instrumentos. Outra que vem nesta linha é a segunda música, chamada “Goliath”, que com sua beleza nos remete ao que parece ser a fórmula do Karnivool para dar luz a canções maravilhosas: o contraste de instrumentais pesados e incomuns mergulhados numa aura progressiva, com a voz única de Ian Kenny.


Em “New Day”, a terceira do disco, a viagem vai longe, em 8 minutos de uma música que nos leva da sensibilidade ao peso em tantas doses que os ouvintes mais desavisados poderão ficar atordoados. Na próxima, “Set Fire To The Hive”, ouvimos um Karnivool mais objetivo e pesado, soando como os melhores momentos instrumentais do Nine Inch Nails, só que com um vocalista bem mais capaz do que o “rasgador” Trent Reznor. Já em “Umbra”, o que se nota é novamente a volta do “peso sensível”, com uma letra belíssima, e um arranjo que deixa claro que a combinação “competência técnica + musicalidade” é perfeitamente possível, basta discernimento por parte de produtores e capacidade e bom gosto por parte de músicos.


Mas nada do que foi ouvido antes poderia nos preparar para a próxima faixa, “All I Know”, simplesmente uma das músicas mais espetaculares e estranhamente lindas de todos os tempos. Usando de efeitos impensados sobre uma estrutura simples (para os padrões Karnivool), e contando com um vocal perfeito, esta canção é uma jóia de valor inestimável, prova de que o Karnivool é sem dúvida a melhor banda australiana de todos os tempos, anos luz a frente de AC DC ou Silverchair, e de que eles merecem fazer história tanto quanto (ou até mais) o que estas duas já fizeram.


Para dar uma abaixada na poeira depois do final emocionante de “All I Know”, a curtinha “The Medicine Wears Off”, que na verdade serve mais de interlúdio para a segunda parte do álbum, composta por quatro musicas grandes e densas. A primeira delas é obscura “The Caudal Lure”, que deixa claro o por que de Steve Judd poder ser considerado um dos bateristas mais habilidosos e competentes na hora de criar um groove, soando como a equilibrada mistura de Josh Freese e Vinnie Colaiuta, tudo única e exclusivamente a serviço desta música incrível. Já em “Illumine” as coisas soam mais claras, mas jamais a ponto de tornar esta uma música óbvia, sendo esta uma música que nos lembra as canções do álbum Themata.


Chegamos as duas últimas músicas do cd, duas composições que ultrapassam os 10 minutos cada uma e que rompem com qualquer sinal de preocupação em relação aos meios de mídia e com uma roupagem pop. A primeira delas é “Deadman”, uma música que é o símbolo máximo da sonoridade do Karnivool, misturando vários clímax e fazendo-os soar tão naturais que até parece fácil compor algo tão complexo. Legal é a “musiquinha” escondida ao final desta faixa, que soa mais como uma intro para a última faixa do disco, a poderosa “Change”, que é uma parte 2 da música Change iniciada no álbum antecessor Themata (alguém ai lembrou de Unforgiven do Metallica?). Esta música lembra muito os melhores momentos do Tool na fase AEnima, porém com um clima menos soturno, vindo a fechar com chave de ouro este trabalho magistral do Karnivool.


Sound Awake é um discasso, daqueles que ultimamente anda difícil de se encontrar por ai, sendo mais uma prova de que devemos mesmo é correr atrás de cultura por nós mesmos, e não esperar pelas porcarias que os meios de comunicação estão tentando nos empurrar como “a melhor banda dos últimos tempos”, e com o Karnivool nos dando mais uma vez uma amostra de que merece muito mais do que simplesmente reinar na Austrália da forma que reinam (como se isso fosse pouco). Se não escutou a banda, vai lá e escute, por que vale muuuuuuito a pena, te garanto.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Volta Dos Mortos Vivos


Texto por Álvaro Freire Samways

Nesta semana de fevereiro eu queria escrever sobre algum outro assunto, algo diferente da onda carnavalesca reinante nesta época do ano, mas não teve como. Não há como fugir desta vergonhosa mediocridade nacional. Todo ser que estiver dentro do território brasileiro terá de alguma forma contato com a “festa símbolo brasileira”. Tal como um Dom Pedro I exilado em uma ilha deserta tentando abrir uma lata de sardinhas com uma faca de plástico, sei que durante alguns dias, vou tentar escapar da verdadeira ditadura televisiva imposta pelo Carnaval, e que não vou conseguir. Tenho total consciência de que serei nocauteado por bordões imbecis, proferidos por exércitos de exibicionistas, todos ansiosos por uma suruba que nunca se concretiza. Serei submetido a grotescos espetáculos de alegria descartável, sem vida, provenientes de gente cujo maior talento é exibir cirurgias plásticas (algumas invejáveis, outras semelhantes a serviços de borracharia mal feitos), sem um pingo de autenticidade, sem o menor resquício de emoção sincera.

Não tenho nada contra a exposição de um belo corpo feminino nu (muito pelo contrário!), desde que ele venha acompanhado de uma aura de sentimento, de sensibilidade, de sensualidade e beleza. Mas não há espaço para algum sentimento que preste em avenidas salpicadas de pessoas mortas por dentro. O que resta ali é um festival de repugnância proporcionado pelas emissoras de TV. É duro admitir, mas a burrice parece ter se tornado item de cesta básica. O Brasil conseguiu a proeza de profissionalizar a idiotice!

O Carnaval atual é um evento que nada tem a ver com foliões. Hoje ele pertence a empresas, fabricantes de cervejas, socialites deformadas pelo excesso de botox a ponto de que seus rostos se pareçam com as máscaras vendidas nessa época do ano em camelô, celebridades emergentes de 97ª categoria, playboys babacas, ex participantes de reallity show, garotas de programa disfarçadas em atriz e modelo… É para essa turba falsamente animada que a festa do Rei Momo (quem?) existe hoje. O tumulto resultante é o espelho fiel do que o Brasil se tornou. Para os turistas estrangeiros, somos alegres bufões, sorridentes mesmo quando sabemos que estamos mergulhados na ignorância, que temos um governo descaradamente corrupto e falido, e que milhares de crianças morrem como moscas porque não têm o que comer. Na verdade, no fundo da alma, essa cambada de “ex-BBBs da vida real” se comporta como palhaços desdentados, subnutridos de inteligência e bom senso. As pessoas se tornaram prisioneiras da imagem daquilo que se espera delas.

O Carnaval é um retrato cheio de purpurina da realidade na qual estamos inseridos: tumultuado, confuso, artificial, violento, narcisista, louco (no pior sentido da palavra), bruto e patético. E o problema principal nem é o Carnaval, mas sim o que ele espelha.

Não, não tenho saudade do passado, mas percebo que, em um tempo não muito distante, vivíamos de uma maneira mais cordial e sincera, mesmo quando nosso espírito mambembe se confrontava com o início de uma nova ordem, que determinaria que só a exibição contínua e a qualquer preço seria o caminho para uma “carreira de sucesso”.

O que me pergunto é: por que existe tanta gente disposta a fazer qualquer coisa para ganhar dinheiro e/ou aparecer na TV? A resposta pode estar no fato de que essa imensa massa de imbecis está totalmente desiludida com os benefícios que a aquisição de cultura pode trazer ao espaço vazio que existe entre as suas orelhas. A vara de idiotas prefere o caminho mais fácil, que passa pelo constrangimento de expor suas vergonhas intelectuais e físicas em cadeia nacional. É muito mais fácil mostrar a bunda em frente as câmeras do que ler, estudar, amadurecer um talento, lapidar todos os dias uma competência.

Como é possível fazer germinar a cultura de um país por meio da massificação? E quando escrevo “cultura”, me refiro também à arte, e em especial à música, um dos principais combustíveis para nossa existência. Como acreditar na musicalidade de um Carnaval em que os samba-enredos se resumem todos à mesma coisa, a ponto de você nem mais reparar caso a Mangueira decida colocar um chimpanzé para ser seu “puxador” (é assim que se chamam os vocalistas desses sambas) após a morte do Jamelão? Isso para não tecer comentários sobre as aberrações vindas da Bahia para agredir nossos já tão castigados tímpanos.

Fazer parte do Carnaval hoje é trabalhar como um macaco de realejo perante uma platéia cheia de zumbis sorridentes. Se isso é o que você chama de “alegria popular”, vá fundo. Mas depois não diga que eu não o avisei…

Em sua opinião, o Carnaval é uma festa cultural ou apenas uma passarela para gente sem talento?

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

E Agora, Quem é Que Paga o Cinema???


Texto por Álvaro Samways

O cinema brasileiro, que sempre foi conhecido pela falta de infra-estrutura e por dar luz a películas no mínimo horrorosas, vinha dando mostras de que poderia muito bem reverter este rótulo, com sucessivos bons lançamentos nos últimos tempos, tais quais O Homem Que Copiava, Meu Nome Não é Johnny e claro o comentadíssimo Tropa de Elite. Além de uma ótima nova safra de diretores e roteiristas despontando. Já no passado ano de 2010, além da continuação do já citado Tropa de Elite, com Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro, tivemos notícias sobre o filme nacional que promete ser o mais novo sucesso de bilheteria nos quatro cantos do Brasil: Bruna Surfistinha – O Filme. Mas o que se esperar deste, que chega ainda no primeiro semestre de 2011 as telonas (seja dos cinemas, seja das casas, em dvds piratas que serão rodados nas cada vez maiores tvs de plasma)?

Bom, primeiramente cabe dizer que Bruna Surfistinha – O Filme, será baseado no livro best-seller (expressão que numa tradução adaptada ao português significa algo como “um dos mais vendidos”, mas que na minha opinião poderia ser traduzido como “lixo para ignorantes metidos a intelectuais”) escrito por Raquel Pacheco, O Doce Veneno do Escorpião, um livro que diz-se ser um diário não fictício de sua vida, encarnada como a prostituta conhecida como Bruna Surfistinha (personagem que ficou famosa antes do livro por possuir um blog onde relatava suas aventuras como meretriz na noite paulistana). Este livro, que chegou a soma de 250 mil exemplares vendidos, teve lançamento não só no Brasil, mas também em Portugal (deve ter sido esse um dos agravantes para que José Saramago viesse a falecer) e Espanha. No livro ela relata que foi adotada, e que mesmo nunca tendo falta de bens matérias e gozando (no bom sentido é claro, pelo menos ainda) de boa educação, em colégios particulares de São Paulo como o Bandeirantes, o Objetivo e o Augusto Maia em Sorocaba, ela decidiu fugir de casa aos 17 anos de idade, usar drogas e prostituir-se. Em um dos trechos do livro ela diz: "Transas enlouquecidas, surubas, muitos homens (e mulheres) diferentes por dia, noites quase sem fim. O que pode ser excitante para muitas garotas como eu, na efervescência dos vinte anos, para mim é rotina. É meu dia-a-dia de labuta", o que já aponta ai uma contradição, pois ao mesmo tempo em que ela afirma ter buscado essa vida por escolha própria e por achar interessante, já que nunca lhe houve falta de nenhum bem em sua vida de classe média, ao empregar o termo labuta (derivado do latim labor, laboris, e que significa “luta, trabalho, esforço pelo qual busca-se sobrevivência) ela deixa claro que faz tudo isso por que é sua fonte de renda, seu meio de subsistir. Ta aí uma idéia do que poderá ser assistido a partir do dia 25 de fevereiro caso você decida prestigiar um filme baseado em um livro de gosto tão duvidoso.

Para tentar elevar o nível um pouco, já que o livro do qual será extraída e adaptada a história do filme não tem muito gabarito para que possa ser chamado de literatura, o elenco que encabeçará a história nas telas dos cinemas será composto com o papel principal estrelado pela atriz Déborah Secco (Meu Tio Matou Um Cara), e com as participações de outros nomes conceituados como Cássio Gabus Mendes (Chico Xavier), Drica Moraes (Os Normais 2 - A Noite Mais Maluca de Todas), Cristina Lago (Olhos Azuis), Fabiula Nascimento (Estômago), Guta Ruiz (Encarnação do Demônio) e Juliano Cazarré (Vips). A direção fica a cargo do estreante Marcus Baldini e o roteiro por Karim Aïnouz. Tudo isso para tentar salvar um pouco este filme, que está sendo pago por mim e por você amigo leitor. Sim, é isso mesmo, nós, cidadãos de bem, honestos carneirinhos pagadores de impostos estamos patrocinando o filme sobre a vida de uma prostituta vocacional!!! Você deve estar se perguntando neste momento: “Como assim, eu estou pagando???”. Bem, eu explicarei então o que esta acontecendo nesta casa de mãe Joana (que também pode ser chamada de Brasil caso assim você prefira).

Bruna Surfistinha O Filme, foi aprovado pelo Ministério da Cultura, e receberá subvenção do estado pela Lei de Incentivo à Cultura (mesmo que ao meu ver surubas e overdoses não sejam lá uma coisa muito cultural), numa quantia prevista para 4 milhões de reais. Quatro milhões de reais retirados dos cofres públicos para patrocinar um filme que retrata a vida de uma garota que recebeu o que de melhor havia na vida em sua juventude, mas mesmo assim preferiu adentrar pelo caminho das drogas e da prostituição. Quatro milhões que saem dos bolsos de cada um de nós que pagamos impostos de até 45% sobre qualquer coisa que compramos, e que na hora de vermos sendo revertidos em um direito nosso garantido pelo Artigo 215 da Constituição de 1988, que é o acesso ao lazer e a cultura, vemos é caindo nas mãos de um monte de gente oportunista, fazendo um filme para fechar com chave de ouro o show da auto-promoção a nível de “celebridade” e “pessoa famosa” iniciado por uma garota que não tinha talento nenhum, mas que queria ser famosa a qualquer custo, e para isso decidiu expor suas vergonhas para um publico tão privado de inteligência quanto ela. Já não bastava o patrocínio que a mesma Lei de Incentivo a Cultura deu (usando claro nosso dinheiro), para artistas caras de pau como Gilberto Gil, Gal Costa, Ivete Sangalo e outros que mesmo tendo dinheiro e uma carreira consolidada, decidiram usar do “jeitinho brasileiro” e usufruir de amparo estatal para custear seus projetos musicais milionários (como se as contas bancárias deles assim já não o fossem), retirando o dinheiro que deveria ser revertido para artistas amadores ou de poucos recursos financeiros custearem suas obras, agora teremos ainda um filme deste, que vem para interromper uma seqüência de bons filmes nacionais que vinham sendo lançados, sendo pago pelo nosso dinheiro.

Mesmo com a certeza de que este filme será um lixo completo, ainda acredito que ele fará enorme sucesso de bilheteria, pois num país onde a mesquinhez e a falta de tato é tamanha a ponto de fechar o Cinema Belas em São Paulo, após 68 anos de uma contribuição incalculável para a sétima arte e por ter como fama rodar filmes que nada tem de famosos, lucrativos e de “mudérrrnus”, mas que são eternas obras de arte ("Bicicletas de Belleville", dirigido por ficou Sylvain Chomet, ficou por 2 anos em cartaz somente por que é ótimo), é esperado ainda que tenhamos a caricatura horrorosa dessa tal Bruna Surfistinha lembrada por gerações após um filme que encarregou-se de homenagear toda a “contribuição artística e intelectual” que ela prestou a nossa população. E o pior, pago pelo dinheiro do meu e do seu bolso, meu caro e pensante leitor. Corta !!!!!