domingo, 15 de agosto de 2010

Música Para Todo Mundo Ouvir


Texto por Álvaro Freire Samways


Com os avanços tecnológicos advindos na pós-modernidade, ouvir música deixou de ser um ato possível somente dentro de sua casa, perto daquele aparelho de som que trazia além do rádio, um reprodutor de mídia física (primeiro os discos, depois as horrorosas fitas K7 e por último os cds). Para mudar esta história vieram primeiro os paleozóicos Walk-Mans (quem da minha geração não lembra do famoso modelo amarelinho da Sony, que virou moda entre os jovens da época?), e mais posteriormente, com a ascensão do Compact Disc, os Disk-Mans (nos quais bastava um esbarrão para que o cd tivesse um erro de leitura por parte do aparelho). Hoje temos muito mais comodidade e qualidade na hora de levarmos nossa música favorita conosco para a rua, pois com a criação da música virtual (sem mídias físicas que pudessem riscar, empoeirar, arrebentar, entre outras tragédias), e a popularização do formato MP3, os aparelhos desse mesmo nome puderam substituir com finesse seus ancestrais, permitindo ao ouvinte levar consigo uma quantidade muito maior de músicas, ocupando bem menos espaço, num formato anatomicamente muito mais confortável, e sem aquele perigo “da música parar por causa da freada brusca do ônibus”. Isso por que eu nem citei o Ipod, que para muitos foi a maior invenção desde a televisão e o computador.


Até ai tudo ia mesmo muito bem, com cada indivíduo equipado com seus fones, ouvindo aquilo que lhe agrada, num volume que lhe é desejado. Mas aí aconteceu o fato que viria a mudar radicalmente este cenário: a invenção do celular com MP3, com a posterior evolução dos aparelhos de MP3/MP4. Esses aparelhos vieram pra reproduzir, em tamanho miniaturizado, a mesma coisa que a onda chateante do som automotivo causou: a falta de respeito para aquele que está ao lado e não quer ouvir a mesma música que você. O stress provocado por esses dois tormentos só é semelhante ao provocado quando se percebe a música sendo ouvida pelos energúmenos que cultivam este tipo de comportamento, que geralmente é de pior qualidade que suas aparências.


Eu me questiono seriamente sobre o motivo que leva alguém a fazer tal tipo de coisa, e acabo chegando a vários deles. Entretanto, o que deveria constituir o mais óbvio, esse nem passa como uma alternativa, que seria: vontade de ouvir música. Sim, é isso mesmo que você acabou de ler!!! Quem coloca um som assim, em pleno ambiente público, em volume alto a ponto de perturbar as sinapses alheias não está interessado em ouvir música!!! Bom, agora deixe eu lhe explicar os motivos.


O primeiro é que, quem está com um som alto, seja em seu carro “socado” ou em seu celular MP15, NUNCA está prestando a atenção na música (embora eu realmente ache que são raros os casos onde um indivíduo que faz isso está de fato ouvindo algo que possa ser chamado de música). Ou ele está dirigindo sua saveiro cheia de som, ao mesmo tempo que fica olhando para a calçada para ver quantos indivíduos o estão observando, ou está encostado nela tomando uma cerveja, numa pose de guerreiro-deus Thor após vencer uma batalha, enquanto bate papo com seus outros colegas que também são chegados em coisas idiotas e vazias tanto quanto ele. Já quem anda com o celularzinho com música, está mais é prestando a atenção em sua caminhada, também de olho nas menininhas que vão achar ele um cara descolado, ou então nos garotos que vão lhe dar uma cantadinha vulgar pra qual ela fará cara de nojo, mas com o fundo de sua alma sentindo enorme prazer, isso caso seja uma menina (o que é mais ridículo) ao estar em tal ato de bestialidade, além de que quem faz isso está completamente exposto à poluição sonora típica das ruas, o que torna o ato de realmente apreciar a “música” de seu celular algo quase impossível. Quem realmente está interessado em poder apreciar suas músicas favoritas enquanto caminha pelas ruas usa fones!!!! Eles sim garantem uma apreciação musical mais satisfatória, livre dos ruídos sonoros que irão atrapalhar este ato, embora ruas ainda não sejam o melhor lugar para se ouvir música. Quanto a quem está dirigindo, e com o som de sua máquina em alto e (nem tão) bom som, a primeira coisa a se dizer é que música em carro é entretenimento para os passageiros, pois a atenção que demanda o ato de dirigir torna impossível uma boa apreciação musical por parte daquele que dirige. Portanto se você vê alguém dentro de um carro sozinho, dirigindo, e com o som berrando, pode saber que ele não está ouvindo a música que está sendo vomitada pelas suas cornetas e subwoofers que lhe custaram todo o salário de um mês, ou no caso dos playboys, o dinheiro da mesada.


O segundo motivo é que esse tipo de pessoa não tem um verdadeiro senso de apreciação musical, sendo que na verdade geralmente nem sabem o que isso significa. Contemplar uma música é algo muito mais denso do que aquela euforia de cantar a letra corna do sertanejo das baladas de quinta-feira, ou dançar o "créu" na velocidade 5 quando a criatura que se diz vocalista assim ordena. Apreciar músicas de maneira correta é primeiramente saber distinguir o que é música e o que é lixo, o que de fato é arte do que é oportunismo e vontade de encher o bolso. Atingida esta etapa, o que vem depois é o ato de se deixar levar pelo que está sendo tocado, prestar a atenção em todas as minúcias da composição, mas não de maneira proposital (como é de característica principalmente de alguns músicos, que ouvem toda música como se precisassem “tirar” ela para tocar com sua banda). É se deparar com a toda a excelência harmônica, melódica e poética da canção de forma espontânea, intuitiva, numa conexão diria eu espiritual com o que esta sendo passado pelo artista em seu trabalho. Ser tomado pelo sentimento que a canção exprime, passando a sentir o que a música quer transmitir, esteja isso em concordância com o que o artista que compôs tal obra pensou no momento em que estava criando-a, ou não. Seja nos gritos de “Calm Like A Bomb” de Zack De la Rocha protestando no Rage Against The Machine, ou pelas sutilezas românticas das harmonias de Tom Jobim em “Garota de Ipanema”, pela potência vocal de um Fred Mercury cantando “We Are The Champions” com o Queen, ou na poesia incrível escrita e entoada por Eddie Vedder, cada vez que o Pearl Jam toca “Black” em um de seus shows. Sei que parece shakeaspeariano demais, mas é por que isto é de fato algo um tanto complexo, e que cada a dia vemos menos.


E é fácil distinguir quem realmente sabe apreciar a boa música que está sendo emitida, daquele que nem sabe o que está saindo do seu aparelho de som. O primeiro indício é justamente que música está sendo veiculada pelo aparelho de som/celular/som automotivo/e sei lá mais que diabos do tal indivíduo. O cara que coloca um cd do Furacão 2000, da Lady Gaga, do Fernando e Sorocaba, do Sorriso Maroto, do Parangolé ou do Restart (só para citar algumas entre as inúmeras "podreiras" que infectam nosso mercado musical) para tocar, não é alguém que realmente aprecia boa música. Na verdade ele nem aprecia música, por que gente do nível desses caras acima citados nem chega a fazer música. O que eles fazem é simplesmente lixo. Feito pra vender por algumas temporadas, enriquecer “artistas” (favor ler essa palavra com todo o sarcasmo e ironia que existe em seu ser) e empresários, manobrar gente pouco pensante a consumir suas pseudomúsicas e as modas que advém de seu modo de ser (roupas, modo de falar, de cantar, etc).


O segundo ponto que indica se uma pessoa sabe apreciar música é o volume em que está sendo ouvida a dita música, juntamente com a forma com a qual o cidadão está se portando para com ela por isso. Quem quer apreciar as músicas que gosta não coloca no último volume seu aparelho de som, por que não há necessidade disso, e até por que se sabe que quanto mais um aparelho é forçado em seu limite sonoro, mais ele perde em capacidade de manter a reprodução da música com qualidade. Quem quer curtir seu artista favorito coloca o som em um volume moderado, que lhe permita ouvir tudo com clareza, e esse volume quase sempre não é um volume que chegue a incomodar as pessoas ao seu redor (como os vizinhos por exemplo). Daí você pode me indagar: “Bem, mas há quem curta som num volume bem alto, dançando e cantando, o que você me diz disso?”. A resposta está justamente na pergunta. Quando um indivíduo está a ponto de querer acompanhar sua tão amada música, seja cantando ou dançando, significa que um volume maior de massa sonora deve realmente ser empregado na hora de sua reprodução.


E para a nossa primeira pergunta, que diz respeito aos motivos que levam uma pessoa a colocar som alto em ambientes públicos, a resposta mais aguda e fidedigna é a seguinte: esta pessoa é simplesmente alguém que não tem espírito crítico nenhum, uma pessoa totalmente desprovida de personalidade, que, por viver num mundo dominado por idiotas, aprendeu a achar isso bom, e agora quer somente repetir o que estes idiotas estejam achando legal fazer naquele momento, seja isso legal realmente ou não. Ela só quer ser mais uma pessoa “descolada”, “da hora”, “maneira”, para quem o bando de idiotas já assumidos olhe e diga: “poxa, esse cara é legal, vamos chamar ele pra andar junto de nós!”. Ela só quer entrar para a alcatéia de gente babaca, gente esta que foi burrificada pela exposição diária a doses de ignorância massiva, veiculadas por uma mídia popular especializada na formação de ignorantes desprovidos do mínimo de criticidade e de personalidade. Pessoas que acham que um dia serão alguém, mas querem chegar a isso tentando ser como a maioria, sem nem saber se isso é bom ou ruim (claro, pois como foi dito, elas não sabem mais criticar). E eu e você, seres pensantes, sabemos claro, que isso é ruim. A cena mais patética é você passar por uma roda de pessoas com copos na mão, o carro com o som em sua potência máxima, obrigando tais pessoas a conversar aos berros, sem nem prestarem a atenção à música. Isso é o que eu chamo de “síndrome de comportamento musical de baladeiro”. É um mal que se explica pela necessidade que uma pessoa (em 100% dos casos de vida vazia) sente de estar o máximo de tempo num ambiente que lembre uma balada, pois lá ela se sente alguém legal, visto que longe de um ambiente onde praticamente todo mundo é um babaca, ela naturalmente se sentirá como o imbecil que ela é na realidade. Por isso ela encosta seu carro em frente a sua casa (ou de um amigo), reúne a “galera do fervo”, coloca músicas ruins numa altura que atrapalhe seu diálogo com alguém próximo e ao mesmo tempo irrite os vizinhos, leva um isopor cheio de cervejas no porta malas e fica jogando charminho barato para quem quer que passe pela rua no devido momento em que toda essa tosquice está sendo protagonizada. A música nestes casos é só um barulho, que todo baladeiro sente necessidade de ter sendo percutido em suas orelhas pouco sensíveis. Qual é a música sendo reproduzida é o de menos, algo de importância nula eu diria. Por isso quando alguém passar ao seu lado com um celular berrando uma “música” de gosto duvidosíssimo, rodeado por amigos em um papo sobre o porre de anteóntem, saiba que você está diante de um idiota tentando se inserir no contexto, e sim, tentando chamar sua atenção para tal fato. Pior mesmo que este fato lamentável é o de que a maioria da população hoje é constituída por pessoas assim. Que Deus nos ajude no futuro que ainda está por vir, pois pelo que parece, será uma ditadura da ignorância.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Cds (Lançamentos) MASTODON



Mastodon

Crack The Skye

(Reprise Records)

2009

Ultimamente o bom e velho Rock Progressivo parece estar despertando novamente atenções, tanto de mídia quanto de público, embora possamos dizer que tanto esta mídia, quanto este público, não são necessariamente a maioria da população, o que eu diria, é muito bom. Bem, fiz este comentário devido a boa safra de novas bandas que surgem apostando em um som mais complexo, como faziam as bandas clássicas de Prog no passado, sem porém deixar elementos artísticos modernos de lado. Depois dos bons lançamentos do The Mars Volta nos últimos anos, foi a vez do Mastodon conceber um novo álbum de estúdio representando esta bandeira do novo Prog. E o gênero não poderia estar melhor representado.


Crack The Skye precisa de apenas 7 faixas para nos mostrar uma verdadeira obra conceitual, e uma aula de como se fazer Prog Metal, unindo elementos progressivos de bandas do passado como King Crimson e E.L.P, com elementos mais metal de gente como Slayer e Metallica. Temas como projeção astral, Rússia antiga, perda e desgraça recheiam o disco, visto que ele foi concebido justamente num momento difícil da banda, onde seus membros estavam enfrentando os mais variados demônios interiores. O guitarrista Brent Hinds foi parar no hospital por conta de uma inexplicável doença estomacal, além de ter sua mulher sido atropelada pro um carro. Brann Dailor, o baterista, viu sua mãe ser despejada, seu padrasto falecer, e sua irmã sofrer uma overdose de pílulas calmantes. Um cenário assim poderia fazer uma banda ruir, mas os membros do Mastodon conseguiram transformar tudo isso no mais impressionante álbum de suas carreiras.


Com produção de Brendan O’Brien (bem conceituado por seus trabalhos com artistas do porte de Rage Against The Machine e Audioslave, por exemplo), e composições incríveis, o disco nos mostra ainda timbres muito bem gravados e partes meticulosamente pensadas, como fica bem claro já na belíssima faixa de abertura “Oblivion”, que traz o baterista Brann Dailor cantando as estrofes com uma ótima voz, lembrando os melhores momentos do Tool.


De contrapartida “Divinations” , a mais curta do disco, é muito mais direta, tendo mais do peso do trash metal em seus arranjos, seja nos vocais agressivos ou em seus timbres pesadamente distorcidos, além de timbres maravilhosos durante o solo de guitarra. Uma grande canção. Em “Quintessence” as coisas voltam a figurar do lado prog, numa música com tantas mudanças de clímax que é até difícil entendê-la num primeiro momento, com um instrumental incrivelmente conciso, formando um bloco sonoro tão denso quanto uma pedra de diamante, numa música capaz de tirar o fôlego dos mais desavisados.


Em “The Czar”, com seus 10 minutos de canção, os temas tomam rumos mais depressivos, com uma belíssima intro que logo será guiada para um crescendo que tornará as coisas muito mais punch, sendo impossível não lembrar do King Crimson. Uma canção com tantos contornos só me faz pensar no enorme trabalho de ensaios pelo qual a banda deve ter passado antes de entrar em estúdio. Em seguida vem a musculosa “The Ghost Of Karelia”, melhor do disco, com uma intro em timbres maravilhosos de guitarra por parte da guitarra de Brent Hinds, para em seguida cair num instrumental poderosíssimo, totalmente ao estilo do fusion, num ponto que faria o pessoal da Mahavishnu Orchestra se orgulhar.


Em seguida vem “Crack The Skye”, a música que dá nome ao álbum e talvez por honra de carregar este título, sendo assim sobre a qual mais se constroem expectativas, seja a mais fraca no cd, não estando no nível das outras, o que nem por isso faz dela uma má canção, pois apesar de tudo ela possui belos timbres, e um excelente clima soturno, sendo sozinha melhor que praticamente tudo que se apresenta como “rock mudérrrrrrno” nos grandes veículos de mídia. Pra fechar o álbum a gigantesca “The Last Baron”, que apesar de possuir 13 minutos (que a título de curiosidade foi gravada inteira “ao vivo dentro” do estúdio), não torna-se monótona em momento algum, usando, pelo contrário, o tempo ao seu favor, pois cada vez mais tem-se vontade de que ela permança tocando, e não acabe a audição de tão maravilhoso disco.


Além da ótima audição pela qual o ouvinte prazerosamente irá passar, o álbum ainda possui outras recompensas, como seu belíssimo encarte (que na versão LP é ainda mais impressionante), com a arte conceitual de Paul Romano que traz temas pertinentes a Rússia Antiga e à Média Ásia. Se você ainda tem uma agulha, vale mesmo muito a pena comprar a versão vinil.


Crack The Skye é, sem sombra de dúvida, um dos melhores trabalhos de rock desta década onde tanta coisa tenebrosa se apresentou como a evolução do “rock and roll”. Se estas porcarias coloridas realmente são a evolução (ou involução melhor conceituando) do rock, eu prefiro fazer como os caras do Mastodon, e buscar inspiração no passado, para ser exposto à verdadeira arte, como fui neste maravilhoso Crack The Skye.