segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Volta Dos Mortos Vivos


Texto por Álvaro Freire Samways

Nesta semana de fevereiro eu queria escrever sobre algum outro assunto, algo diferente da onda carnavalesca reinante nesta época do ano, mas não teve como. Não há como fugir desta vergonhosa mediocridade nacional. Todo ser que estiver dentro do território brasileiro terá de alguma forma contato com a “festa símbolo brasileira”. Tal como um Dom Pedro I exilado em uma ilha deserta tentando abrir uma lata de sardinhas com uma faca de plástico, sei que durante alguns dias, vou tentar escapar da verdadeira ditadura televisiva imposta pelo Carnaval, e que não vou conseguir. Tenho total consciência de que serei nocauteado por bordões imbecis, proferidos por exércitos de exibicionistas, todos ansiosos por uma suruba que nunca se concretiza. Serei submetido a grotescos espetáculos de alegria descartável, sem vida, provenientes de gente cujo maior talento é exibir cirurgias plásticas (algumas invejáveis, outras semelhantes a serviços de borracharia mal feitos), sem um pingo de autenticidade, sem o menor resquício de emoção sincera.

Não tenho nada contra a exposição de um belo corpo feminino nu (muito pelo contrário!), desde que ele venha acompanhado de uma aura de sentimento, de sensibilidade, de sensualidade e beleza. Mas não há espaço para algum sentimento que preste em avenidas salpicadas de pessoas mortas por dentro. O que resta ali é um festival de repugnância proporcionado pelas emissoras de TV. É duro admitir, mas a burrice parece ter se tornado item de cesta básica. O Brasil conseguiu a proeza de profissionalizar a idiotice!

O Carnaval atual é um evento que nada tem a ver com foliões. Hoje ele pertence a empresas, fabricantes de cervejas, socialites deformadas pelo excesso de botox a ponto de que seus rostos se pareçam com as máscaras vendidas nessa época do ano em camelô, celebridades emergentes de 97ª categoria, playboys babacas, ex participantes de reallity show, garotas de programa disfarçadas em atriz e modelo… É para essa turba falsamente animada que a festa do Rei Momo (quem?) existe hoje. O tumulto resultante é o espelho fiel do que o Brasil se tornou. Para os turistas estrangeiros, somos alegres bufões, sorridentes mesmo quando sabemos que estamos mergulhados na ignorância, que temos um governo descaradamente corrupto e falido, e que milhares de crianças morrem como moscas porque não têm o que comer. Na verdade, no fundo da alma, essa cambada de “ex-BBBs da vida real” se comporta como palhaços desdentados, subnutridos de inteligência e bom senso. As pessoas se tornaram prisioneiras da imagem daquilo que se espera delas.

O Carnaval é um retrato cheio de purpurina da realidade na qual estamos inseridos: tumultuado, confuso, artificial, violento, narcisista, louco (no pior sentido da palavra), bruto e patético. E o problema principal nem é o Carnaval, mas sim o que ele espelha.

Não, não tenho saudade do passado, mas percebo que, em um tempo não muito distante, vivíamos de uma maneira mais cordial e sincera, mesmo quando nosso espírito mambembe se confrontava com o início de uma nova ordem, que determinaria que só a exibição contínua e a qualquer preço seria o caminho para uma “carreira de sucesso”.

O que me pergunto é: por que existe tanta gente disposta a fazer qualquer coisa para ganhar dinheiro e/ou aparecer na TV? A resposta pode estar no fato de que essa imensa massa de imbecis está totalmente desiludida com os benefícios que a aquisição de cultura pode trazer ao espaço vazio que existe entre as suas orelhas. A vara de idiotas prefere o caminho mais fácil, que passa pelo constrangimento de expor suas vergonhas intelectuais e físicas em cadeia nacional. É muito mais fácil mostrar a bunda em frente as câmeras do que ler, estudar, amadurecer um talento, lapidar todos os dias uma competência.

Como é possível fazer germinar a cultura de um país por meio da massificação? E quando escrevo “cultura”, me refiro também à arte, e em especial à música, um dos principais combustíveis para nossa existência. Como acreditar na musicalidade de um Carnaval em que os samba-enredos se resumem todos à mesma coisa, a ponto de você nem mais reparar caso a Mangueira decida colocar um chimpanzé para ser seu “puxador” (é assim que se chamam os vocalistas desses sambas) após a morte do Jamelão? Isso para não tecer comentários sobre as aberrações vindas da Bahia para agredir nossos já tão castigados tímpanos.

Fazer parte do Carnaval hoje é trabalhar como um macaco de realejo perante uma platéia cheia de zumbis sorridentes. Se isso é o que você chama de “alegria popular”, vá fundo. Mas depois não diga que eu não o avisei…

Em sua opinião, o Carnaval é uma festa cultural ou apenas uma passarela para gente sem talento?