Texto por Álvaro Samways.
De fato o sucesso radiofônico veio para eles, e a música sertaneja, que já não era tão sertaneja assim, invadiu os lares de qualquer brasileiro que morasse em algo que não fosse uma maloca na floresta amazônica. O sucesso foi tamanho que especiais musicais televisionados foram criados (quem não se lembra do especial A-M-I-G-O-S da Rede Globo?), produtos exclusivos destes artistas foram inventados (tem até filme que foi mega-sucesso de bilheteria sobre a trajetória de uma destas duplas que é filha de um tal Francisco), e mesmo os filhos de alguns deles se arriscaram ao sucesso com o patrocínio camarada de seus pais (a irmãzinha bonitinha e o irmãozinho sem talento algum). E quando Leandro morreu, no ano de 1998, a comoção nacional foi tanta que levou milhares de pessoas ao seu enterro (quando Tonico morreu em 1994, quase ninguém lembrou disso).
Estes hoje homens de meia idade, atualmente vivem os louros do sucesso daquela época, visto que não têm como competir com a “terceira geração” da música sertaneja, já batizada pelos meios de comunicação com o nome de “Sertanejo Universitário”. Estes últimos apostam numa “música” que vai além do que os garotos de Goiás faziam em sua época. O visual “chapéubotacalçaarroxadacomcintodefivela” foi substituído por roupas de grife (o que pode ainda incluir algum dos acessórios anteriormente citados), as letras ganharam outros temas, como festas universitárias e seus conteúdos, que vão de bebida e azaração, até amores hedonistas momentâneos (ficar e no outro dia nem saber quem é a pessoa é a regra básica), além de poemas vazios sobre sofrimento amoroso onde uma camada extra de melaço foi derramada, transformando a antiga “dor de corno” dos goianos ex-plantadores de tomate, em uma verdadeira “tortura de corno”. Também entram temas machistas em voga como dinheiro, mulheres, carros, e outras coisas em duplo sentido, só “pra macho”.
Adentrei-me neste túnel do tempo somente para nestas mal traçadas linhas, situar-lhe no contexto que nos fez chegar ao que a antiga música caipira virou hoje. De como a música que falava dos temas pertinentes à vida do homem do campo despojou-se de qualquer resquício de verossimilidade, tornando-se apenas uma máquina cega de ganhar dinheiro. Quero deixar algo bem claro: eu não gosto de música caipira, aliás, muuuuito pelo contrário. Mas se o que caras como Pedro Bento e Zé da Estrada, Sérgio Reis, Tonico e Tinoco e tantos outros fizeram em seu tempo não são dignos de minha adimiração, o são então de meu respeito e reconhecimento, pois apesar de ser chata àbeça, a antiga música sertaneja é ainda assim uma forma artística verdadeira e fiel de expressão daquilo que eles viviam, fosse em seus sítios, fazendas ou roças. Como sabemos música na teoria é: “uma forma de arte que constitui-se basicamente em combinar sons e silêncio seguindo ou não uma pré-organização ao longo do tempo, para com eles expressar os afetos da alma” (Dicionário Aurélio XXI). Já os nossos A-M-I-G-O-S na sua época deceparam grande parte da arte contida na música sertaneja, misturando-a com outras coisas que nada tinham a ver com o contexto do homem do sertão. Agora analise então o que esta geração do “Sertanejo de Balada” está fazendo em nome da bandeira musical que escolheram levantar.
Para começar o nome deste tipo de música já é risível. Como algo poder ser “Sertanejo Universitário”??? Quantos sertanejos, daqueles que vivem no sertão semi-árido da Paraíba, por exemplo, você viu chegarem à graduação em alguma Faculdade ??? Quão pouco alguns deles são alfabetizados, menos ainda saberem o que é uma “balada universitária com mulher free e open bar”. Outra questão é que muitos dos tais cantores e duplas sertanejas dessa nova moda sequer têm suas raízes no campo (o principal expoente do novo sertanejo é a cidade de Campo Grande no Mato Grosso, coincidentemente uma das 15 maiores regiões urbanas do Brasil...). Evidenciam-se ainda, letras que nada tem a ver com o que um homem do campo genuíno escreveria levando-se em conta sua vida cotidiana.
Alguns podem alegar que esta é a evolução daquilo que se chamava música sertaneja no passado. Mas eu indago a vocês meus caros seres pensantes: como uma coisa pode evoluir cortando totalmente os laços com aquilo que era no passado? Pelo menos na história da música nota-se que isso é algo impossível de se consumar, pois todos os estilos que evoluíram de outros (e na real TODOS evoluíram de algum outro) ainda guardam muito mais que o nome do seu predecessor. Um exemplo foi o New Metal (ou Nu Metal como preferir) que surgiu no fim dos anos 90. Apesar de bandas como Korn, Slipknot, System Of a Down e outras deste estilo estarem á anos luz de distância, em termos de sonoridade, das bandas de metal e trash clássicas como Black Sabbath, Iron Maiden, Helloween, Slayer, Anthrax entres outras, elas ainda guardam muitas características identificáveis do berço de onde vieram. Neste “New Sertanejo” das baladas de quinta, todo o contexto musical daquilo que era o estilo clássico de se fazer este tipo de música foi abandonado. Pormenorizando: a arte (que é o fator X) neste estilo musical, morreu.
O que se vê tocando em alto e em (nada) bom som nos carros tunados, é uma música totalmente voltada a fins comerciais, sem a menor sombra de talento e principalmente, de ímpeto artístico. Um lixo de qualidade nula, feito pra durar algumas temporadas na TV e no Rádio, fazer fortuna para um bando de picaretas exploradores, e logo ser esquecido, assim como os “artistas”(favor ler essa palavra com o máximo de sarcasmo possível) que a protagonizavam.
E esta não é uma regra válida só para o tal “Sertanejo Univer$itário”. A classe que mais povoa nossos meios de comunicação, é a de pessoas oportunistas, sem um átomo de talento e ímpeto artístico, buscando fortuna fácil a promoção rápida à classe de celebridade. E isso vai desde o barulho (recuso-me a chamar isso de música) feito por gente desclassificada como Parangolé, Tati Quebrabarraco, Sorriso Maroto, Lady Gaga, Justin Bieber, RBD, NX Zero, Malu Magalhães, Cine e outras porcarias, até às patetices protagonizadas pelas moças e rapazes sarados do BBB. Não só na música, mas em todas as áreas, temos “talentos” de plástico, indefiníveis exatamente por não existirem. Vide “modelos-atrizes” que só sabem atuar com a bunda, escritores bestsellerizáveis que usam de alquimistas e bruxos pra entreter com ignorância, filmes totalmente ridículos que lotam suas sessões com platéias de adolescentes (mesmo adultos) não muito bem resolvidos, em busca de verem-se refletidos no amor impossível “vampiro X garotinha bonita”, quadros de entrevista onde entrevistador e entrevistado não possuem realmente nada de interessante a declarar, entre taaaantas e taaaaantas porcarias descartáveis que são glutidas dia após dia por uma massa de zumbis que parecem ter vácuo entre uma orelha e outra.
O que realmente se presencia como produto de toda esta equação que envolve a sociedade é a morte trágica e agonizante da Arte. Aquilo que deveria ser o objetivo, torna-se algo descartável, apenas um apêndice totalmente esquecido em prol do todo poderoso dinheiro. É meu amigo, a Arte está num caixão. Resta a nós seres críticos, cultuá-la postumamente com as músicas/ filmes/ livros hoje esquecidas pela máquina do lucro, lembrando que um dia ela, a Arte, realmente foi o centro das atenções tanto dos artistas como de seus apreciadores.