sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

E Agora, Quem é Que Paga o Cinema???


Texto por Álvaro Samways

O cinema brasileiro, que sempre foi conhecido pela falta de infra-estrutura e por dar luz a películas no mínimo horrorosas, vinha dando mostras de que poderia muito bem reverter este rótulo, com sucessivos bons lançamentos nos últimos tempos, tais quais O Homem Que Copiava, Meu Nome Não é Johnny e claro o comentadíssimo Tropa de Elite. Além de uma ótima nova safra de diretores e roteiristas despontando. Já no passado ano de 2010, além da continuação do já citado Tropa de Elite, com Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro, tivemos notícias sobre o filme nacional que promete ser o mais novo sucesso de bilheteria nos quatro cantos do Brasil: Bruna Surfistinha – O Filme. Mas o que se esperar deste, que chega ainda no primeiro semestre de 2011 as telonas (seja dos cinemas, seja das casas, em dvds piratas que serão rodados nas cada vez maiores tvs de plasma)?

Bom, primeiramente cabe dizer que Bruna Surfistinha – O Filme, será baseado no livro best-seller (expressão que numa tradução adaptada ao português significa algo como “um dos mais vendidos”, mas que na minha opinião poderia ser traduzido como “lixo para ignorantes metidos a intelectuais”) escrito por Raquel Pacheco, O Doce Veneno do Escorpião, um livro que diz-se ser um diário não fictício de sua vida, encarnada como a prostituta conhecida como Bruna Surfistinha (personagem que ficou famosa antes do livro por possuir um blog onde relatava suas aventuras como meretriz na noite paulistana). Este livro, que chegou a soma de 250 mil exemplares vendidos, teve lançamento não só no Brasil, mas também em Portugal (deve ter sido esse um dos agravantes para que José Saramago viesse a falecer) e Espanha. No livro ela relata que foi adotada, e que mesmo nunca tendo falta de bens matérias e gozando (no bom sentido é claro, pelo menos ainda) de boa educação, em colégios particulares de São Paulo como o Bandeirantes, o Objetivo e o Augusto Maia em Sorocaba, ela decidiu fugir de casa aos 17 anos de idade, usar drogas e prostituir-se. Em um dos trechos do livro ela diz: "Transas enlouquecidas, surubas, muitos homens (e mulheres) diferentes por dia, noites quase sem fim. O que pode ser excitante para muitas garotas como eu, na efervescência dos vinte anos, para mim é rotina. É meu dia-a-dia de labuta", o que já aponta ai uma contradição, pois ao mesmo tempo em que ela afirma ter buscado essa vida por escolha própria e por achar interessante, já que nunca lhe houve falta de nenhum bem em sua vida de classe média, ao empregar o termo labuta (derivado do latim labor, laboris, e que significa “luta, trabalho, esforço pelo qual busca-se sobrevivência) ela deixa claro que faz tudo isso por que é sua fonte de renda, seu meio de subsistir. Ta aí uma idéia do que poderá ser assistido a partir do dia 25 de fevereiro caso você decida prestigiar um filme baseado em um livro de gosto tão duvidoso.

Para tentar elevar o nível um pouco, já que o livro do qual será extraída e adaptada a história do filme não tem muito gabarito para que possa ser chamado de literatura, o elenco que encabeçará a história nas telas dos cinemas será composto com o papel principal estrelado pela atriz Déborah Secco (Meu Tio Matou Um Cara), e com as participações de outros nomes conceituados como Cássio Gabus Mendes (Chico Xavier), Drica Moraes (Os Normais 2 - A Noite Mais Maluca de Todas), Cristina Lago (Olhos Azuis), Fabiula Nascimento (Estômago), Guta Ruiz (Encarnação do Demônio) e Juliano Cazarré (Vips). A direção fica a cargo do estreante Marcus Baldini e o roteiro por Karim Aïnouz. Tudo isso para tentar salvar um pouco este filme, que está sendo pago por mim e por você amigo leitor. Sim, é isso mesmo, nós, cidadãos de bem, honestos carneirinhos pagadores de impostos estamos patrocinando o filme sobre a vida de uma prostituta vocacional!!! Você deve estar se perguntando neste momento: “Como assim, eu estou pagando???”. Bem, eu explicarei então o que esta acontecendo nesta casa de mãe Joana (que também pode ser chamada de Brasil caso assim você prefira).

Bruna Surfistinha O Filme, foi aprovado pelo Ministério da Cultura, e receberá subvenção do estado pela Lei de Incentivo à Cultura (mesmo que ao meu ver surubas e overdoses não sejam lá uma coisa muito cultural), numa quantia prevista para 4 milhões de reais. Quatro milhões de reais retirados dos cofres públicos para patrocinar um filme que retrata a vida de uma garota que recebeu o que de melhor havia na vida em sua juventude, mas mesmo assim preferiu adentrar pelo caminho das drogas e da prostituição. Quatro milhões que saem dos bolsos de cada um de nós que pagamos impostos de até 45% sobre qualquer coisa que compramos, e que na hora de vermos sendo revertidos em um direito nosso garantido pelo Artigo 215 da Constituição de 1988, que é o acesso ao lazer e a cultura, vemos é caindo nas mãos de um monte de gente oportunista, fazendo um filme para fechar com chave de ouro o show da auto-promoção a nível de “celebridade” e “pessoa famosa” iniciado por uma garota que não tinha talento nenhum, mas que queria ser famosa a qualquer custo, e para isso decidiu expor suas vergonhas para um publico tão privado de inteligência quanto ela. Já não bastava o patrocínio que a mesma Lei de Incentivo a Cultura deu (usando claro nosso dinheiro), para artistas caras de pau como Gilberto Gil, Gal Costa, Ivete Sangalo e outros que mesmo tendo dinheiro e uma carreira consolidada, decidiram usar do “jeitinho brasileiro” e usufruir de amparo estatal para custear seus projetos musicais milionários (como se as contas bancárias deles assim já não o fossem), retirando o dinheiro que deveria ser revertido para artistas amadores ou de poucos recursos financeiros custearem suas obras, agora teremos ainda um filme deste, que vem para interromper uma seqüência de bons filmes nacionais que vinham sendo lançados, sendo pago pelo nosso dinheiro.

Mesmo com a certeza de que este filme será um lixo completo, ainda acredito que ele fará enorme sucesso de bilheteria, pois num país onde a mesquinhez e a falta de tato é tamanha a ponto de fechar o Cinema Belas em São Paulo, após 68 anos de uma contribuição incalculável para a sétima arte e por ter como fama rodar filmes que nada tem de famosos, lucrativos e de “mudérrrnus”, mas que são eternas obras de arte ("Bicicletas de Belleville", dirigido por ficou Sylvain Chomet, ficou por 2 anos em cartaz somente por que é ótimo), é esperado ainda que tenhamos a caricatura horrorosa dessa tal Bruna Surfistinha lembrada por gerações após um filme que encarregou-se de homenagear toda a “contribuição artística e intelectual” que ela prestou a nossa população. E o pior, pago pelo dinheiro do meu e do seu bolso, meu caro e pensante leitor. Corta !!!!!

5 comentários:

  1. Concordo com a -possível- má qualidade do filme. Utilizar esse tema, sem apelar, é complicado. Mas acho uma incoerência falar em contribuição cultural, enquanto você cita o "Tropa". Afinal, os assuntos de ambos os filmes estão interligados. O que muda é o foco.

    ResponderExcluir
  2. a critica é bem boa. Pena que a maioria dos Brasileiros não pensam assim. na verdade nem pensam nisso, não estão preocupados.
    Isso é uma vergonha!

    e... sobre o comentário do "cachorroastronauta mickey", não concordo com a sua crítica sobre os filmes "Tropa de elite (1 e 2)".
    O primeiro "tropa" nos serviu para termos uma pequena noção da situação que há nas favelas brasileiras. O que está diretamente ligado com as causas sociais (divisão política de oportunidades e renda). Bom todos sabemos que sociedade e cultura estão intimamente ligados.
    E no "tropa 2" voltamos a nossa atenção para a corrupção no poder estatal. Saber analisar e criticar a política também é um exercício cultural. Sem contar que mais uma vez estamos lidando com causas sociais, o que se mantém coerente com a minha afirmação a cima.

    ResponderExcluir
  3. Erika, concordo em parte com o que você disse. Não critiquei nenhum dos "Tropa". Gostei dos filmes. O que não cabe é atribuir importâncias aos problemas. A prostituição também é uma realidade no Brasil. Assim como o tráfico, por exemplo. E é só isso que eu tentei falar no meu comentário anterior. Acho que não é pertinente falar em contribuição cultural por que o tema "prostituição", genéricamente, também deve ser discutido. Talvez seja melhor falar do caso em particular.

    ResponderExcluir
  4. Agora sou o próprio "Advogado do Diabo"! Cara, muito massa seu blog. Num dia de mau humor eu achei um pormenor que não concordei e "desci a lenha". Não falei do todo. Parabéns pelos textos.

    ResponderExcluir