segunda-feira, 14 de junho de 2010

Em Clima de Brasil


Texto de Álvaro Freire Samways.


É Copa do Mundo!!!!!!! Sim, depois de toda a contagem regressiva promovida pelos canais de televisão, rádio, internet e o escambau (coincidentemente os que detêm seu poder de transmissão), ela esta ai mais uma vez, em sua 19ª edição. Nosso (não leve esta expressão a sério, a menos claro, que você seja filho de algum político, ou milionário) país estará lá de novo, pra seguir com o tabu de nunca ter ficado de fora deste torneio.


Ao contrário do que você possa estar pensando, eu não vim aqui pra protestar contra o poder alienante exercido pelo futebol e os meios de mídia que o veiculam, chamá-lo de “ópio do povo”, ou demais frases prontas estigmatizantes, todas de cunho “marxistaanarquistaantisistemacapitalistacocacolaemcdonald’s”, que só vêm a ser modos de permanecer estático e fingir que se está indignado. Pelo contrário, gosto de assistir um bom futebol, embora eu odeie essa máfia que gira em torno da seleção brasileira (que por sinal hoje em dia é mais fraca que sopa de albergue, sendo que ela não é nem sombra do que foi no passado), e prefira muito mais o futebol raçudo de nossos hermanos (hostilizados pela mídia por pura falta de argumento da mesma) bem como sua seleção, do que o bundamolismo dos inúmeros cai-cais malas que atingem o status de craque em nossa (lembra-se de como deve ler este “nossa” né?!) pátria atualmente (que saudades das épocas de Rivelino, Zico, Romário, Edmundo).


Gostar de futebol não deixa ninguém burro como pregam os tais “revolucionários” de cartilha socialista que citei acima. Maior prova disso é que alguns de nossos maiores escritores/pensadores eram, ou são, torcedores vorazes de algum time, chegando a dedicar obras para os mesmos, vide casos como os de Luiz Fernando Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade, Washington Olivetto, Nelson Rodrigues, Aldir Blanc, Nelson Motta, e tantos outros que sempre se mostraram admiradores deste esporte.


O que eu acho que nenhum deles apoiaria, assim como eu, são as inúmeras barbáries e sandices protagonizadas em nome do futebol. Uma das mais óbvias e ridículas é o vírus de nacionalismo ufanista e xenófobo que infecta toda a nação a cada véspera de Copa. Do nada, pessoas que não estão nem ai para a “pátria amada”, para os problemas que ela porta, para a imagem de neandertais cultuadores de bunda que os brasileiros tem ao redor do mundo, e que sequer sabem duas estrofes do hino nacional, tornam-se patriotas doentes, e o pior, patriotas da forma mais pueril possível. Acham que demonstrar amor ao seu país é torcer para a seleção “amarelinha”, faltar ao trabalho para ver seus jogos, pintar a casa, os muros, a calçada e até mesmo as próprias fuças de verde e amarelo, depreciar outros povos (principalmente os argentinos) em propagandas dos mais variados tipos de produtos, de chinelo a cerveja, e sair em carreata caso o país ganhe uma sexta estrela no uniforme. Se isso é ser patriota, então eu definitivamente sou um completo anti-Brasil.


Por que eu de minha parte, diferentemente deles, acho uma real falta de patriotismo ver gente indo aos estádios de futebol, pagando para isso com mais de 35% do seu mísero salário mínimo (se pelo menos tivessem uma educação de qualidade na escola, perceberiam o quão ignorante é fazer isso), se arriscando com a falta de segurança, culpa principalmente da parte de alguns ogros que preferem queimar calorias brigando contra a torcida adversária do que torcendo pelo time ao qual pagaram 50,00 R$ de ingresso para assistir, se dizendo por isso “torcedores fanáticos”. Se não assistem nem ao jogo pelo qual pagaram, qual é a chance real de estarem cientes do passado político do candidato pelo qual optaram como voto? Chance ainda menor de saberem o que aconteceu aos envolvidos no “Mensalão”, no “Valérioduto”, e vários outros esquemas corruptos que tinham como patrocínio o dinheiro pago por eles mesmos no imposto incluso naquele ingresso para “assistir o time do coração”.


Acho falta de patriotismo ver que existe gente nesse país que se diz “amante do Brasil”, que chora pela derrota e eliminação do país na Copa do Mundo (quando os próprios jogadores são os primeiros a sair rindo de campo), se indigna com isso, mas não está nem ai com toda a impunidade capital de crimes hediondos que até mesmo Madre Teresa de Calcutá relutaria em perdoar, tudo isso baseado num código de leis paleozóico que beneficia os mais abastados, código este que em qualquer outro lugar do mundo que se diz civilizado já teria sido revisto pela sua ineficácia (se bem que ele é eficaz no que diz respeito a “impunidade para os que o criaram”).

Acho falta de patriotismo perceber que os maiores craques da bola (pra não citar outros esportes, e por que não, outras áreas) da história de nosso país tiveram de vencer a miséria, o descaso, a violência, a carência de boa educação e a falta de oportunidades. Ver que mesmo com tantos indicadores positivos saídos da pobreza, nenhum engravatado procura melhorar a situação, dando assim mais chances para aqueles que quiserem seguir com dignidade em sua vida. Ver que a idéia ultrapassada de que “na favela só tem bandido” ainda é o que figura na cabeça de muita gente, principalmente dos próprios bandidos, que na verdade, ocupam escritórios na Explanada dos Ministérios.


Acho falta de patriotismo morar num país onde sou chamado de “anti-brasileiro” por achar que o futebol argentino é melhor que o nosso, por achar que Maradona foi melhor que Pelé, mas constatar que o cara que rouba o dinheiro da merenda das nossas crianças é tratado como um herói nacional, ganhando condecorações e se eternizando no poder, e pior ainda, ver que estes caras que me acusam de falta de amor ao país (vestidos com sua camiseta do Kaká) se achando os “sangue verde e amarelo”, são os primeiros que estão vendendo seus votos exatamente pro tipo de cara corrupto que citei acima. Ver que no Brasil só se lembra quem são os brasileiros na hora de se arrecadar votos, e que mesmo estes, ao invés de repudiar tal ato, são idiotas o suficiente para se vender por uma cesta básica.


Esse problema de nacionalismo de plástico só será superado no dia em que o brasileiro perceber que seu país não é uma Seleção, e sim uma república federativa presidencialista, localizada na América do Sul, de 8.514.876.599 km², formada pela união de 26 estados federados e por um distrito federal, dividida em 5.566 municípios, onde abundam problemas sociais, econômicos e intelectuais de toda a ordem. País que carece o mais rápido possível de gente forte, sobretudo de espírito, decidida a não se levar pelos “contos e fábulas” das promessas de horário eleitoral, nem pelas modas e pressões impostas pela mídia de massas. Gente que leia, que critique, que pense, que reflita sobre o que acontece ao seu redor.


Não precisamos de pessoas intelectualóides, que por terem um título de doutor em alguma coisa, fazem malabarismos shakeaspearianos na hora de pedir um simples café no boteco. Precisamos sim do mínimo de córtex cerebral para não sermos enganados pelo “resultado positivo da seleção do Dunga nos amistosos”, ou pela “conquista do Fluminense na Copa do Brasil”. Saber que futebol é bom sim, mas que isso não vai colocar comida em nossos pratos, nem nos dar emprego (mesmo no caso de quem está tentando ser jogador o futebol ainda se mostra bem frustrante), quão pouco lhes garantir um futuro melhor. E principalmente: saber quer ser patriota não é andar com bandeirinha da seleção no carro, nem criticar o futebol argentino, mas sim procurar estar atento ao que acontece no contexto do seu país, para com isso poder melhorá-lo a cada dia. Antes de ser um torcedor brasileiro, ser sim, um cidadão brasileiro.

Um comentário:

  1. Puta merda...poucas foram as vezes como essa que eu pude dizer, que alguém disse tudo que estava engasgado em minha traquéia...

    Muito bom pessoal! Continuem assim que o blog vai longe!

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